A igreja primitiva enfrentou muitos desafios, e alguns deles de muita seriedade para o futuro da mesma. Tinha a perseguição do lado de fora e possibilidades reais de divisão dentro dela. Em meio desse contexto, a igreja continuou crescendo dia a dia, e o evangelho se expande por toda a terra.
Em Atos 6.1-7, lemos “Naqueles
dias, crescendo o número dos discípulos, houve reclamação dos judeus de cultura
grega contra os demais judeus, pois as viúvas daqueles estavam sendo deixadas
de lado na distribuição diária de mantimentos. Em razão disso, os Doze
convocaram a multidão dos discípulos e disseram: Não faz sentido que deixemos a
palavra de Deus e sirvamos às mesas. Portanto, irmãos, escolhei dentre vós sete
homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais
encarreguemos deste serviço. Mas nós nos devotaremos à oração e ao ministério
da palavra. A proposta agradou a todos, e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e
do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau,
prosélito de Antioquia, e os apresentaram perante os apóstolos, os quais,
depois de orar, impuseram-lhes as mãos. E a palavra de Deus era divulgada, de
modo que o número dos discípulos em Jerusalém se multiplicava muito, e vários
sacerdotes obedeciam à fé.”
Este texto nos lembra que, em meio das dificuldades que enfrentou a
igreja primitiva, o Espírito Santo esteve em todo momento norteando a tomada de
decisões e guiando a Igreja de Cristo a manter o evangelho central, acima de
qualquer outra questão que aparecia no caminho. Assim, surgia a primeira ordem
da igreja, os diáconos.
Esta ordem ajudaria a igreja a desenvolver uma nova área de missão mais
eficazmente, e trazendo maior glória a Deus através do primeiro mártir da
Igreja de Cristo, Estevão, que era diácono e tinha um ministério eficaz de
evangelismo.
Não conheço nenhum cristão que seja contrário
ao crescimento da igreja, contudo conheço sim muitos que são contrários a ter
diversidade. De fato, muitas das divisões vividas na Igreja de Cristo no século
20, foram dadas pela busca da pureza doutrinária, já fosse através da afirmação
mais literal das confissões ou diante de controvérsias que surgiam, e a igreja
particular era incapaz de resolver tal conflito, causando uma divisão nela.
Em Atos, observamos que o resultado natural do
crescimento da igreja foi a diversidade nela. Mais pessoas significa também
mais diferenças. Isto levou a igreja a enfrentar novas situações desconhecidas
até agora, como temos lido no texto bíblico de Atos acima.
Quando estudante de teologia, um dos professores explicou que,
possivelmente, a divisão entre a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla
foi causada em grande medida pela diferença de cultura, língua e percepções que
tinham uns dos outros. Seja como fosse, a realidade nos mostra que a Igreja, se
cresce, vai terminar com muitas diferenças e grande diversidade de forma de
ser, pensar, viver e acreditar. E existe sempre a tentação de buscar a pureza
sobre a unidade. Infelizmente, a busca da igreja pura leva a negar a questão
mais óbvia, a diversidade em qualquer igreja local.
A igreja contemporânea tem dificuldades de ver as diferenças e
diversidades como um fato positivo. Sobretudo, aquelas igrejas que foram
desenvolvidas pelos missionários americanos, depois da controvérsia entre os
liberais e os ortodoxos no início do século 20. Aquilo manteve certas
reminiscências que, até hoje, algumas igrejas sofrem.
Tenho percebido que as igrejas reformadas tem perdido um pouco da
caridade existente nos Pais da Reforma Protestante. Se lemos as atas da
Assembléia de Westminster, observamos que Edmund Calamy defendeu a posição que
era conhecida como “universalismo hipotético.” Ele defendeu diante da assembléia
reunida que “Cristo pagou um preço por todos, absolutamente para os eleitos,
condicional pelos reprovados, em caso de que eles acreditassem.” Como ele diz,
“Cristo entregando-se a si mesmo tinha a intenção de colocar todos os homens em
um estado de salvação em caso eles acreditassem.” A morte de Cristo era
“hipoteticamente” salvadora para todos os homens, ainda que efetiva somente
para os eleitos. Ao redor de um terço dos delegados que participaram na
Assembléia de Westminster apoiaram a posição de Calamy.
Não estou escrevendo isto para defender a posição de Edmund Calamy, mas
estou escrevendo para mostrar o simples fato de que ainda quando tal posição
não foi apoiada pela maioria dos delegados de Westminster, Calamy e aqueles que
o apoiaram seguiram participando na assembléia. Se é verdade que a Assembléia
de Westminster era contrária a teologia Católica Romana, antinomiana e
Luterana, mas não era um partido de posição única. No interior da Assembléia de
Westminster, existia uma diversidade importante de pontos de vista que coexistiam
juntos. Não à toa, tinham partidários do governo congregacional, presbiteriano,
episcopal e dentro deles diversas formas de entender tais governos.
Outro caso que mostra a posição de caridade entre os reformados, se
encontra no Sínodo de Dort, 1618. Este Sínodo, possivelmente, seja o sínodo
reformado mais universal de todos os tempos, porque tinha presença de diversas
nações, inclusive da Inglaterra. Se tinha anglicanos em tal sínodo, coisa que
seria quase impensável hoje em dia em uma assembléia destas características.
Entre os delegados anglicanos, existia alguns que tinha uma visão
“augustina” que alguns reprovados poderiam temporalmente disfrutar os
benefícios da salvação. Assim, a delegação inglesa apresentou uma petição para
que o Sínodo removesse sua condenação a tal idéia, “alguns reprovados podem ser
regenerados e justificados por um tempo.” Se existe um sínodo que se possa
definir como claramente calvinista, seria o Sínodo de Dort, e foi aceita tal
petição e removida tal condenação.
Samuel Ward apresenta o argumento que a delegação inglesa fez no Sínodo:
“Nós mesmos pensamos que esta doutrina é contrária às Sagradas Escrituras, mas se é conveniente condenar nestes cânones se faz necessário uma maior reflexão. Já que o contrário poderia parecer que...
- Agostinho, Prosper e outros Pais que propuseram a doutrina de predestinação absoluta e que se opuseram aos Pelagianos, parece ter admitido que alguns dos que não são predestinados podem atingir o estado de regeneração e justificação...
- não devemos, sem causa grave, ofender as igrejas luteranas, que nesta matéria, é claro, pensam de forma diferente.
- E, o mais importante, nas próprias Igrejas Reformadas, muitos homens sábios e santos que estão conosco na defesa da predestinação absoluta, no entanto pensam que alguns daqueles que são verdadeiramente regenerados e justificados, são capazes de cair deste estado e morrer, e que isso acontece eventualmente a todos aqueles a quem Deus não tem ordenado no decreto de eleição infalivelmente para a vida eterna. Finalmente, não se pode negar que há alguns lugares nas Escrituras que aparentemente apoiam esta opinião, e que tem convencido homens piedosos e estudiosos, não sem grande probabilidade.
O argumento da delegação da Igreja de Inglaterra é extraordinário. Já
que vê a teologia reformada como a continuação da tradição que vai desde
Agostinho, continua através da Idade Média, e se esforça a dar continuidade com
tal tradição. Deste modo, sugerem que, qualquer confissão que excluía
Agostinho, não pode ser boa. Não deseja ofender a outros cristãos, como os
luteranos. Defende uma confissão reformada que expressa o pontos de vista de
“homens santos,” que servem como ministros da igrejas reformadas, em vez de uma
confissão impessoal que reflete o ponto de vista de somente um segmento da
igreja. Interessante o fato de que defende os credenciais reformados de uma
visão que seria sumariamente excluída de quase toda igreja reformada hoje. Possivelmente,
estas são as características próprias da teologia reformada inglesa, e como tal
se diferencia da teologia reformada desenvolvida na Holanda e Escócia.
Como temos visto, as diferenças formam parte da vida da Igreja de
Cristo, e existe uma necessidade para manter a caridade nos debates e nas
divergências. As diferenças são positivas e boas, mas também tem o potencial de
causar divisão e levantar conflitos. A solução nunca poderá ser relacionar-se
somente com aqueles que pensam como você. Isto, possivelmente, termine causando
que o problema seja maior do que realmente é. Ao mesmo tempo, se é gostoso estar
com as pessoas que pensam e vêem as coisas de igual modo, como você, isso nunca
tem como resultado uma igreja saudável, porque esconde os problemas. De fato,
eu ainda não conheci ninguém que pensa exatamente como eu.
A SOLUÇÃO não é outra que o EVANGELHO. Se faz necessário que construamos
relações baseadas na unidade do evangelho: o amor de Deus que tem sido mostrado
a nós em Cristo, e reflete que amemos uns aos outros.
A unidade em meio da diversidade é possível e, inclusive, forma parte da
oração sacerdotal de Jesus (João 17). Portanto, como deve ser tal unidade?
“Cada um não se preocupe somente com o que é seu, mas também com o que é
dos outros. Tende em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus,…” (Filipense
2.4-5).
Sendo assim, o interesse dos outros e o desejo de ajudar a outros irmãos
nos deve mover em vez do nosso próprio desejo. Os jovens e os idosos, os
solteiros e casados, os homens e as mulheres, os anglicanos e os
presbiterianos, desenvolvem relações que são importantes e significativas,
porque não se centram no seu próprio interesse.
Em vez de buscar as diferenças que nos dividem, o evangelho nos lembra
que, ainda que sejamos de diferentes culturas, tenhamos histórias diversas,
seguimos sendo uma só IGREJA. A partir da diversidade dada por Deus, estamos
unidos quando o evangelho é central.
Simplesmente, porque o evangelho nos lembra que somos todos pecadores,
todos necessitados da graça de Deus, ninguém de nós é melhor que os outros. Há
unidade em quem somos, porque há unidade em quem estamos. Somos um só corpo em
Cristo.
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