O Triplo Ministério Cristão


Quando Cristo ascendeu ao céu, Jesus deixou os apóstolos na liderança da sua Igreja na Terra. O ofício de apóstolo foi um ministério único aos primeiros discípulos. De fato, são poucos os cristãos que desenvolveram este ofício na sua plenitude. O termo Grego “apostolos” significa “enviados,” “delegados” ou “embaixadores.” Esta palavra comunica a idéia de alguém que tem sido autorizado para atuar em lugar de outra autoridade e exercer a autoridade daquele que o enviou. Deste modo, os apóstolos de Jesus representavam e exerciam a autoridade de Cristo.

Os requisitos que encontramos nas Escrituras para este ofício de apóstolo são, entre outros, que eles foram comissionados pessoalmente, como apóstolos pelo próprio Jesus (1 Cor. 9.1). Isto aconteceu na maioria dos casos durante o seu ministério no mundo, como foi o caso dos primeiros doze apóstolos (Mat. 10.1-2), ou depois, como no caso de Paulo (Gál. 1.1-17). Existe uma exceção a este caso, que foi quando surgiu a necessidade de escolher alguém que ocupasse o lugar de Judas. O escolhido foi Matias. Ele foi confirmado no ofício por Deus (Atos 1.24-26) e, ainda que ele não tinha recebido sua comissão diretamente de Cristo, foi um testemunho vivo do ministério de Jesus (Atos 1.15-23).

Interessante é o fato de que nas Escrituras encontramos que o ofício de apóstolo, no caso de Matias, é referido como “episcopado” (Atos 1.20). Portanto, talvez, esta seja uma característica própria da Igreja de Cristo desde o início.

O que temos certeza é do fato que, como a Igreja cresceu em número e expressão, foi necessário escolher outros ministros para ajudar no ministério e delegar a autoridade de Cristo. Os apóstolos eram poucos em número, e a Igreja cresceu rapidamente em diversas regiões do mundo antigo.

Este processo se observa claramente no Novo Testamento, encontramos como os apóstolos foram elegendo e desenvolvendo diversos ofícios para o bem-estar e a missão da Igreja.

O primeiro ofício a ser estabelecido foi o que chamamos, hoje em dia, o diaconado, que foi formado devido a uma disputa e controvérsia sobre o uso dos recursos da Igreja para a caridade. Assim, em vez de ter que supervisionar pessoalmente esta área, os apóstolos nomearam um grupo de sete homens para este ministério, “Não faz sentido que deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas” (Atos 6.2).

Deste modo, surge a função dos diáconos, como observamos com o primeiro mártir cristão, Estevão, que era um diácono (Atos 6.8-15). A partir desse momento, a Igreja contou com o ofício de diáconos.

O seguinte ofício foi o presbítero. A Igreja começou a crescer geograficamente, com congregações em muitas cidades diferentes e, inclusive, várias congregações na mesma cidade, já que os lugares de reunião eram relativamente bem pequenos e só podiam congregar um número limitado de discípulos. Deste modo, os discípulos se reuniam em diversas casas ao redor da cidade.

Ainda que, encontramos no livro de Atos, principalmente, aquelas igrejas e congregações que foram estabelecidas pelos apóstolo Paulo através das suas viagens missionárias, também existiam outras igrejas que foram plantadas quando os cristãos foram dispersos pelas perseguições em Jerusalém e outras partes. Rapidamente, os apóstolos perceberam que precisavam de homens para supervisionar, na sua ausência, as novas congregações e igrejas formadas, onde o evangelho de Cristo chegava, e instruir os novos crentes no conhecimento de Cristo, celebrar os sacramentos e sendo fiéis na pregação do evangelho onde estavam. Assim, Paulo ordenou presbíteros nas congregações que ele plantou (Atos 14.23), ainda que o ofício tinha existido já (veja Atos 11.30).

Os presbíteros tinham supervisão das congregações locais, e juntos formavam um conselho de presbíteros em uma igreja particular (a igreja de Coríntios, a igreja de Gálatas, etc.). O presbítero que presidia o conselho era conhecido como bispo, palavra que vem do grego “episkopos”. Deste modo, os apóstolos seguiam o processo que começou com Matias ao ser chamado o ofício dele de episcopado, ainda que era uma continuação do apóstolo Judas.

João Calvino explica isto claramente, “Para se proteger contra dissensões, a conseqüência geral da igualdade, os presbíteros em cada cidade elegiam um dos seus próprios membros, a quem eles distinguidos com o título de Bispo. O bispo, no entanto, não era superior ao resto em honra e dignidade, como tendo domínio sobre seus colegas, mas as funções desempenhadas por um cônsul no Senado, como *** para presidir o resto, no exercício de admoestação, conselho, exortação e para regular todos os procedimentos por sua autoridade, e levar em execução o que tinha sido decretado pela voz geral. Tais eram as funções exercidas pelo Bispo no conselho de presbíteros... cada assembléia, como eu já disse, com o único propósito de ordem preservação e da paz, foi sob a direção de um bispo, que, enquanto ele tinha a primazia sobre todos os outros em dignidade, ele também estava sujeito à assembléia de irmãos." Sem dúvida, estas duas descrições se encontram muito próxima a como os Anglicanos reformados entendemos o Episcopado histórico.

Como a Igreja foi crescendo, e os apóstolos foram mortos pelas diversas perseguições que enfrentavam, existia uma urgência por parte da igreja de que prevalecera o ministério apostólico, ainda que sendo diferente ao mesmo tempo. Assim, os apóstolos fizeram exatamente o que aprenderam do próprio Jesus. Escolheram homens que continuassem o ministério de Jesus, com autoridade para disciplinar, ordenar diáconos e presbíteros, e ensinar a sã doutrina.

Timóteo e Tito são dois casos evidentes deste novo ofício que começou a surgir a finais da era do Novo Testamento. Eles receberam a autoridade do apóstolo Paulo para nomear (ordenar) e disciplinar presbíteros (1 Tim. 5.19-22; Tito 1.5). Assim, eles supervisionavam diversas congregações, evangelizavam novas áreas e plantavam novas igrejas. Hoje em dia, aqueles presbíteros que desenvolvem este ministério consagrado, são chamados de Bispos e seu ofício é chamado de Episcopado.

Muitos falam que as Escrituras não mostram com clareza o Episcopado no Novo Testamento. Isto é, possivelmente, porque o episcopado surgiu exatamente quando os autores (os apóstolos) das epístolas e os livros do Novo Testamento, se encontravam ao final das suas vidas e morreram de forma violenta todos eles, com a exceção do apóstolo João, antes de que os termos usados para os diversos ofícios fosse finalizado.

Um claro testemunho de que o episcopado foi parte do plano de Jesus e dos apóstolos para continuar a missão e doutrina apostólica na Igreja, se encontra no fato histórico de que todas as igrejas que tem sua origem no ministério dos apóstolos, tinham um episcopado ativo no primeiro século. Isto é verdade desde lugares tão distantes como a India até França, e de Etiópia até Armenia. Não estou falando somente da Igreja Católica Romana, mas estou falando de igrejas tais como os Ortodoxos, Mar Thomas, Coptos, Assírios, Apostólicos Armênios, entre muitos outros.

De fato, é interessante que, inclusive, aquelas igrejas que não adotam um sistema de governo episcopal; na prática, adotam este sistema até certo ponto. Por exemplo, o Moderador do Sínodo das igrejas presbiterianas, ou o Presidente de Convenção, ou pastores que terminam atuando com este triplo ministério até certo grau. Realmente, estas pessoas desenvolvem funções não totalmente iguais às que faz um bispo, mas com certa semelhança.

Os apóstolos, assim, desenvolveram primeiro o ofício de diáconos, depois presbíteros, e, finalmente, bispos. Todas as organizações humanas que crescem de forma saudável, se estruturam de baixo para cima (suas funções), sendo as últimas definidas pelas anteriores. Há uma razão adicional pelo qual a Igreja primitiva faz isso. A primeira geração de Cristãos tomou o seu tempo para que todos eles pudessem amadurecer na fé ao ponto que alguns podiam servir no ofício (1 Tim. 3.6). Claramente, os apóstolos não tinham intenção de nomear novos apóstolos para preencher seu lugar, como observamos ao final do primeiro século. Eles serviram a um propósito de união e conexão entre Cristo e as primeiras igrejas, mas seu ofício foi temporal. Eles cumpriram seu ministério fielmente e, exatamente por este motivo, deixaram o triplo ofício de bispos, presbíteros e diáconos em posição.

Neste período de desenvolvimento, é verdade que os diferentes ofícios estavam fluindo. A terminologia não estava tão definida, como nos dias de hoje. De fato, foram usados títulos que eram usados pelos governantes da época. Diakonos (diáconos) significa “ministros” em Grego; presbuteros (presbíteros) significa “anciãos,” e episkopos (bispos) significa “supervisores.” Porque todos os ofícios envolvem ministrar nos outros e supervisionar alguma área de ministério, e o termo foi usado de formas e maneiras diferentes no Novo Testamento.

O apóstolo Paulo, ocasionalmente, se descreveu a si mesmo, como diakonos (2 Cor. 3.6; 2 Cor. 6.4; 2 Cor. 11.23; Ef. 3.7), que significa um ministro. Da mesma forma, Pedro, também um apóstolo, se descreveu uma vez, como presbuteros (1 Pe. 5:1), que significa um ancião da comunidade Cristã. Os Presbíteros podem ser descritos como episkopoi (Fp. 1.1; 1 Tim. 3:1-2; Tito 1:7), já que tem a tarefa de supervisionar congregações locais, enquanto os que hoje chamamos muitas vezes bispos são chamados também de “evangelistas” (2 Tim 4.5), porque tem um chamado de estabelecer novas igrejas. Muitos bispos foram verdadeiros pioneiros e missionários através da história da Igreja.

Ao final do primeiro século, os termos (diáconos, presbíteros e bispos) já tinham o sentido que entendemos hoje. E, desde então, a igreja sempre teve estas ordens. Maurício Zágari escreveu, “O mártir Inácio, que foi bispo de Antioquia e conviveu com João, Paulo e Pedro, registrou a sucessão de bispos desde a época dos apóstolos, logo após a morte dos mesmos, em sua própria igreja e em Esmirna. No século II, o patriarca Irineu afirmou a validade de uma “linhagem” de bispos desde o tempo apostólico e os enumerou até seu contemporâneo Vítor. Também fizeram isso alguns dos principais teólogos e historiadores antigos, como Sexto Júlio Africano, Tertuliano, Eusébio e Jerônimo.

Martin Bucer diz, "pela observação permanente de todas as Igrejas, desde os tempos dos Apóstolos, vemos que pareceu bem ao Espírito Santo, que, entre os presbíteros houvesse um que fosse responsável sobre várias Igrejas, e o Ministério pleno fosse confiado a ele; e em razão de tal responsabilidade esteja sobre o resto; e, portanto, o nome de Bispo foi atribuído particularmente aos principais governantes."

Os Bispos (episcopoi) tem o cuidado de um grupo de congregações locais em uma região, e nomeiam, ordenam e disciplinam os presbíteros e diáconos. Se considera que os bispos ministram com os cinco dons espirituais (Ef. 4.11), como apóstolos, profetas, evangelistas, mestres e pastores da igreja particular (diocese). Temos bons exemplos de bispos no primeiro século em Timóteo e Tito (1 Tim. 5:19–22; 2 Tim. 4:5; Tito 1:5).

Presbíteros (presbuteroi) tem a responsabilidade de ensinar, governar e prover os sacramentos em uma determinada congregação (1 Tim. 5:17; Tiago 5:14–15).

Diáconos (diakonoi) são assistentes ao bispo e são responsáveis pelo ensino e administração de certas funções na Igreja, tais como a obra social (Atos 6:1–6).

Este é outro dos motivos pelos quais sou um Anglicano reformado, porque seguimos fiéis às Escrituras e às práticas da igreja primitiva, sem entrar nos erros de Roma. Acreditamos no triplo ministério, como a sucessão dos apóstolos, mas não acreditamos na sucessão apostólica, como é ensinada no catolicismo-romano.

No Acordo entre as igrejas anglicanas e luteranas, lemos a seguinte definição de sucessão apostólica que nos mostra um caminho certo contra as posições e ensino da Igreja de Roma:
Apostolicidade contêm quatro pontos principais - ensino fiel (doutrina dos apóstolos), os sacramentos (igreja apostólica), um ministério reconhecido (ministério apostólico) e envolvimento em missão (mandato apostólico) - “a continuidade da Igreja com Cristo e os apóstolos no seu movimento através da história.” A sucessão apostólica é “uma realidade diversa e dinâmica” abraçando fielmente os ensinos apostólicos; participando no batismo, oração e eucaristia; “compartilhando na vida comum da Igreja para mútua edificação e cuidado, servindo em um chamado eclesiástico e reconhecido ministério pastoral de Palavra e sacramento;” e “continuando envolvidos na missão apostólica” da igreja de proclamar o evangelho através da palavra e as obras. A sucessão apostólica não deve ser entendida “principalmente em termos de episcopado histórico. 
Em outras palavras, a sucessão apostólica não é somente a imposição de mãos de um bispo a outro através dos séculos, mas uma corda formada por quatro importantes fios. Enquanto os Anglicanos têm mantido o ministério histórico explicitamente através do episcopado, o ministério histórico tem sido mantido através da tradição luterana também, inclusive na ausência de bispos.

Os Anglicanos reformados seguimos fiéis ao triplo ministério, e estamos na linha histórica que une aos apóstolos através de homens que em cada geração pregaram o evangelho. Com certeza, muitos deles não eram verdadeiros pastores e, inclusive, tiveram lobos entre eles, mas reconhecemos que a graça de Deus nos tem permitido que um santo remanescente permanecera fiel a Deus, pregasse o evangelho de Cristo e fosse guiado pelo Espírito Santo. E reconhecemos que aqueles sem o triplo ministério, também são fiéis ministros de Deus e formam parte da Igreja de Cristo.

Seguimos conscientes que a igreja reformada sempre se está reformando, estando aberta à direção do Espírito Santo para ser reformada novamente quando erro entra nela.

E, por último, desejamos ser um com os outros cristãos que, através do Espirito, confessam a Jesus Cristo, como Senhor e Salvador, para a glória de Deus Pai.

Série Anglicanos Reformados:




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